sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Geopolítica: o pior dos pecados por Fabiano Santos

[listageografia] Geopolítica: o pior dos pecados‏

Autor(es): Fabiano Santos*
Jornal do Brasil - 22/10/2009, pág. A9

A próxima semana é decisiva para o país. A Comissão de Relações
Exteriores do Senado votará parecer do senador tucano Tasso Jereissati
sobre o ingresso da Venezuela como membro permanente no Mercosul. O
parecer, como era de se esperar, é negativo. Cabe agora refletir sobre
o efeito que a eventual aprovação do relatório pode acarretar não
somente ao país mas sobretudo à região no seu conjunto. Algumas
ponderações, em apoio à posição do PSDB, relativizam os ganhos
provenientes do fluxo de comércio entre Brasil e Venezuela e,
adicionalmente, superestima a premissa de que a adesão deste país
inviabilizaria a negociação de acordos comerciais com terceiros países
ou blocos. Ademais, e este talvez seja o erro mais preocupante, as
vozes contrárias recomendam a rejeição do Protocolo de Adesão da
Venezuela ao Mercosul supondo que não afetará o status quo da região
não somente de uma perspectiva meramente contábil e comercial mas
também de um ponto de vista, obrigatório para um país como o Brasil no
contexto contemporâneo, geopolítico.

Para se ter uma ideia do tamanho do problema econômico, tomemos como
referência o período posterior à assinatura do acordo de
complementação econômica entre o Mercosul e a Comunidade Andina, o ACE
nº 59, em dezembro de 2003. De 2004 a 2008 as exportações brasileiras
para a Venezuela aumentaram 250%, enquanto as importações deste país
para o Brasil cresceram 170%. No mesmo período, o superávit comercial
brasileiro com a Venezuela saltou de US$ 1,2 bilhão para US$ 4,6
bilhões, permanecendo positivo mesmo após a eclosão da crise mundial.
Ao contrário do que ocorreu no caso da balança comercial com os EUA,
que permaneceu deficitária nos últimos meses.

Todavia, o problema maior não é econômico ? é geopolítico e
estratégico. Com a saída da Venezuela da Comunidade Andina, ocorrida
exatamente para que ingressasse no Mercosul, e supondo a aprovação do
parecer tucano, este país adentraria estranho terreno de virtual limbo
econômico-institucional, não sendo improvável a hipótese da busca, por
parte de Hugo Chávez, de parcerias econômicas e aliados políticos
extrarregionais ?relevantes?, entre eles a China, com impacto, aí sim,
imprevisível sobre a estabilidade política da região.

Muito utilizado também é o argumento segundo o qual a inclusão de
Chávez no bloco dificultaria a negociação de acordos comerciais
futuros, principalmente com a União Europeia e com a Alca. Em primeiro
lugar, é importante frisar que a nenhum país é dado o direito de vetar
decisões no âmbito do Mercosul. É óbvio, contudo, que a inclusão de um
novo sócio tornará mais complexo o processo decisório e a produção de
consenso. Neste sentido, é também natural que ocorra um novo processo
de adequação e fortalecimento das instâncias decisórias do Mercosul,
incluindo-se o Parlasul, no sentido de coordenar os interesses do
países membros na direção do requerido consenso. Em segundo lugar, é
importante lembrar que as negociações com a UE não têm avançado, não
por conta de dificuldades de parceiros na América do Sul mas sim
devido à intransigência na liberalização dos mercados agrícolas,
devido ademais, no caso da Alca, à postura agressiva e pouco
conciliatória adotada pelos negociadores norte-americanos durante o
governo FHC. Não foi por outro motivo que, no final de seu mandato,
FHC reorientou a estratégia de expansão do capitalismo brasileiro para
o projeto de integração sul-americana, estratégia esta que vem sendo
aprofundada no governo Lula.

É muito difícil entender a lógica geopolítica dos senadores e
lideranças que se opõem ao Protocolo diante de evidências tão
contundentes, de que a decisão de rejeitar a matéria é de gravíssima
consequência para a trajetória brasileira de ascensão a líder regional
? trajetória que, como todos sabemos, não nasceu com o atual governo
mas sim e sobretudo com o governo do presidente Fernando Henrique
Cardoso. Não aceitar o desafio de ampliar o Mercosul e administrá-lo
com toda a complexidade que este assumirá diante da presença de novos
interlocutores externos e internos (sim, pois o ingresso de países
andinos significa compartilhar os benefícios de um mercado comum com
nossas populações do Norte e Nordeste) é o mesmo que abdicar da
responsabilidade de liderar ? e, em política, abdicar do papel que a
história impõe de liderar é certamente o pior dos pecados.

(*) Fabiano Santos é cientista político do Iuperj.

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