segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Por JORGE ANTUNES

Jorge Antunes é maestro, compositor, professor titular da UnB, Pesquisador do CNPq e Presidente da Sociedade Brasileira de Música Eletroacústica.


Democracia na Universidade

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional que está em vigor, assinada por FHC há oito anos, instituiu, através de seu artigo 87, a Década da Educação. Essa década se completará no final de dezembro de 2007. A lei determinou o prazo de dez anos para a execução de ações básicas, próprias a qualquer país civilizado que se preocupe com a educação de qualidade: recenseamento de educandos, matrícula de todas as crianças a partir dos seis anos, provimento de cursos para jovens e adultos insuficientemente escolarizados, programas de capacitação para todos os professores, regime de tempo integral nas escolas, etc, etc.

A Década da Educação ainda está em curso, rumo ao fiasco, e o governo Lula, voltando-se à parte de um todo, se empenha em uma nova reforma universitária com indícios de retrocesso cheio de emendas neoliberais piores que o soneto.

A mesma LDB, em seu artigo 56, confirmou o princípio da gestão democrática nas instituições públicas de educação superior, tal como em todas as reformas do tempo da ditadura militar. O problema é que "gestão democrática" é expressão que adquire diferentes acepções, conforme a arrogância do usurpador de plantão. A reforma de FHC estabeleceu que, na tal gestão democrática, os docentes ocupam setenta por cento dos assentos no colégio eleitoral de escolha de dirigentes. Assim, nas eleições para Reitor, os outros trinta por cento ficam divididos entre os segmentos que formam a maioria da comunidade universitária: alunos e funcionários.

A lei em vigor é mais elitista e discriminatória que a dos tempos dos generais. A Reforma do Ensino, assinada por Costa e Silva e Tarso Dutra um mês antes do AI 5, era mais benévola com o corpo discente. O artigo 38 da Lei de 28 de novembro de 1968 dava à representação estudantil o direito de ocupar um quinto do poder decisório. Trocando em miúdos, enquanto no governo Costa e Silva os estudantes detinham 20% de participação nas decisões, no governo FHC passaram a ter apenas 15% de participação.

A verdadeira gestão democrática da Universidade só terá lugar a partir do momento em que os três segmentos - alunos, funcionários e professores - tiverem participação paritária nas representações e nas decisões. Isso significaria uma percentagem de 33,33% para cada segmento. Esse é o único critério que se harmoniza com a designação "universidade", que nos remete à dimensão de totalidade e de conjunto. O conceito original de Universitas é o de congregação de todos os entes que compõem o "universo". Universidade que se pretende universalidade, tem que estar paritariamente distribuída no que se refere à responsabilidade e à construção. A Universidade brasileira precisa buscar nova etapa em sua história, que recupere o ideal do coletivo. A universitas magistrorum et scholarium da tradição parisiense deve dar lugar a um novo modelo em que alunos, docentes e corpo administrativo, com poderes paritários, norteiem novos caminhos que rompam com o corporativismo continuista.

Enfim, a nova Universidade a ser reinventada tem que deixar de ser um mero conjunto de edificações ou um círculo de saberes, para se tornar uma congregação de pessoas. Para que a Universidade contribua com o fim do sistema social de apartação é preciso que ela, antes, extirpe as desigualdades de seu interior.

A reforma universitária vem aí. O golbery do Lula disse, recentemente, que "o pau vai quebrar" nas Universidades. O Ministro que vaticinou a violência ainda era um jovem estudante não politizado quando em 1962 foi deflagrada a famosa Greve do Um Terço. Essa foi a mais longa greve nacional em que os estudantes lutamos por uma Reforma Universitária que contemplasse o corpo discente com um terço de representação nos orgãos colegiados.

Se é verdade que o pau vai quebrar, também é verdade que estudantes conscientes existem a dar com pau. Ministros cara-de-pau hão de ver com quantos paus se faz uma reforma: a comunidade universitária do século XXI pode deflagrar uma nova "greve do um terço", garantir a verdadeira gestão democrática da Universidade e … matar a pau!

A comunidade universitária, de que falam todas as leis atinentes à educação, é formada de alunos, professores e funcionários, nesses incluídos os terceirizados. Quando os três segmentos tiverem igual participação na escolha de dirigentes, estarão assegurados respeitos mútuos e responsabilidades que vão dar lugar à consecução dos objetivos da educação, da pesquisa, do ensino e da extensão em toda plenitude: respeito à liberdade, apreço à tolerância, exercício da solidariedade humana, pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania, sua qualificação para o trabalho e formação de sua inquietação crítica e especulativa que vai garantir boas transformações para a sociedade futura.


(Fonte: http://www.espacoacademico.com.br/034/34cantunes.htm)

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