segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Liberdade e Democracia na Universidade

Liberdade e Democracia na Universidade



*Lúcio José Botelho


(Fonte: http://www.portalensinando.com.br/ensinando/principal/conteudo.asp?id=2688)


Inicialmente, queria situar-nos geopoliticamente, para melhor podermos refletir sobre o tema " Liberdade e Democracia na Universidade: A Visã o de Outros Paí ses" . O Brasil é um paí s com 180 milhõ es de habitantes, distribuí dos em uma á rea de 8,5 milhõ es de quilô metro quadrado, com gigantescas desigualdades. Demograficamente, por exemplo, Sã o Paulo com 800 habitantes por quilô metro quadrado, contrasta com algumas regiõ es amazô nicas que tem menos de um habitante por quilô metro quadrado.

Assim mesmo somos a 9º economia do mundo, e nosso posicionamento na Amé rica do Sul é tã o importante que somente nã o fazemos fronteiras com o Equador e com o Chile. Nosso paí s é formado por 26 estados membros de uma Repú blica Federativa e um Distrito Federal. Sendo um paí s de extensã o continental, nossas necessidades em termos de Educaç ã o sã o enormes e crescentes, cada vez mais temos demanda.

Fazem parte do que chamamos de Ensino Superior, o que seria comparado na realidade americana com Colleges e Universities, 2063 estabelecimentos, dos quais 163 sã o Universidades, das quais 55 sã o publicas e federais. Há ainda pú blicas estaduais, confessionais e outras privadas.

Poré m, nossos indicadores sã o ainda muito ruins. Embora tenha havido um grande incremento nas matrí culas no Ensino Fundamental nos ú ltimos 10 anos, somente 53% dos brasileiros que ingressam na escola, completam oito anos de estudo, sendo que menos ainda, 37%, concluem o Ensino Mé dio (11 anos), o que é condiç ã o obrigató ria para o ingresso no Curso Superior.

Há ainda quase 11% de analfabetos, com diferenç as é tnicas, negros 15,4% e brancos 7% regionais 22% no nordeste contra 6% no sul e locais 25% na zona rural contra 9% urbana.

Mas é nas Universidades que as contradiç õ es sã o ainda mais marcantes. Somente 12% dos jovens entre 18 e 24 anos estã o nos bancos universitá rios e destes aproximadamente 20% em universidades pú blicas, isto é com educaç ã o paga pelo erá rio pú blico. A maior contradiç ã o é que um grande nú mero, principalmente nos cursos de maior valor de mercado vem de estames mais elevados da populaç ã o.

As contradiç õ es se avolumam quando constatamos que apó s 90, houve crescimento exponencial de escolas privadas, com um aumento gigantesco de vagas. No entanto embora haja enorme demanda, há cerca de 50% de vagas nã o ocupadas, por absoluta falta de possibilidade de pagarem as mensalidades.

Santa Catarina é um dos 26 estados da Federaç ã o, tem pouco mais de 5 milhõ es de habitantes em uma á rea de 95,7 mil quilô metros quadrados. Situa-se no extremo sul do paí s e sendo o 22° em á rea geográ fica, é o 6° em produç ã o de riquezas.

Possui diversificada indú stria, com destaque para metal-mecâ nica, alimentí cia e pesqueira, a produç ã o marca relaç õ es é tnicas, é um dos estados de maior quantidade relativa de imigrantes, marcadamente vindos da Europa.

Sendo criativo e operante, desenvolveu na educaç ã o um sistema pró prio de escolas, que sã o chamadas de comunitá rias, fundaç õ es municipais que cobrem todas as regiõ es do estado, mas vivem a mesma crise nacional, excesso de vagas ociosas, ou seja, há menos vagas do que as necessá rias, mas há menos pessoas com possibilidade de pagar os custos.

A capital do estado é a cidade de Florianó polis, situada em uma ilha, distribui seus 300 mil habitantes por 440 quilô metro quadrado de uma á rea litorâ nea com 42 praias. A cidade recebe por ano cerca de um milhã o de turistas. É em Florianó polis que estã o as sedes das duas universidades pú blicas, uma federal e outra estadual, sendo onde estã o mais de 90% dos estudantes universitá rios que estudam com o benefí cio da gratuidade.

A Universidade Federal de Santa Catarina é uma das mais importantes do paí s, com cerca de 21.000 alunos de graduaç ã o e mais de 10.000 de pó s-graduaç ã o, figura entre as cinco mais importantes em todas as formas de avaliaç ã o. No ranking Webometrics é a terceira mais importante.

A maior caracterí stica é uma produç ã o acadê mica intimamente ligada ao processo social, seja atravé s das relaç õ es com grandes empresas, seja com a manutenç ã o de ví nculos produtivos com pescadores, cultivo de moluscos e camarõ es ou ainda com envolvimento em polí ticas sociais como a proposiç ã o de um novo marco no controle da mortalidade infantil.

É esta relaç ã o que aumenta consideravelmente o orç amento da universidade, fazendo o diferencial em termos de qualidade.

Situados no contexto geral, entendemos que duas categorias muito especiais dã o o tí tulo a nossa participaç ã o, Liberdade e Democracia. Trabalhar estes conceitos é uma grande responsabilidade, visto que mais do que expressõ es conceituais traduzem aspiraç õ es do ser humano, alé m de serem sinô nimos em determinados contextos sociais.

O sé culo XII surge com os sinais precursores do renascimento, a valorizaç ã o do homem e da natureza, uma nova ordem social com o surgimento das cidades, onde uma nova geraç ã o de homens, livres, artesã os, comerciantes, passa a exigir uma nova forma de comunicaç ã o e as universidades estã o diretamente ligadas a este processo.

Brevemente podemos dizer que a origem da universidade, neste sé culo XII, é libertá ria e de certa forma democrá tica, pois pressupõ e o compartilhamento do conhecimento, no entanto dadas à s caracterí sticas sociais, somente uma casta podia se fazer presente, a classe dominante, os nobres e o clero.

Neste momento í mpar da sociedade, o conhecimento, expresso na necessidade de domí nio dos fazeres e principalmente dos saberes humanos, instiga este novo homem, que atravé s dos intercâ mbios proporcionados pelo florescente comé rcio manté m cada vez mais contato com outros homens, provenientes de outras realidades e as trocas de saberes se intensifica a ponto de criar a necessidade de um local para melhor ocorrerem.

A universalidade do conhecimento cientí fico é a base humanista de qualquer processo universitá rio, a trajetó ria histó rica, entretanto, conduziu ao longo deste milê nio a caminhos bastante diferentes. A divisã o té cnica e social do trabalho, mormente apó s a era moderna, a divisã o dos paí ses, a competiç ã o e a competitividade, puseram em marcha modelos que tenderam a dominaç ã o e/ou ao isolamento.

Longe de querer aprofundar uma aná lise histó rica estas diferenç as marcam sobremaneira a trajetó ria das nossas instituiç õ es de ensino superior. As Universidades nos paí ses de lí ngua hispâ nica, Dominicana, Mé xico e Peru, as mais antigas, sã o fundadas pelos colonizadores, justamente onde havia sociedades mais evoluí das, enquanto que no Brasil, somente o sé culo XX presencia o nascer das primeiras universidades.

Por este prisma para entendermos o momento atual, e abordarmos o tema presente, temos necessariamente que avaliarmos em uma perspectiva temporal. Que universidade construí mos nos ú ltimos anos e em que contexto só cio polí tico e cultural.

As universidades brasileiras sã o absolutamente jovens, as mais antigas tem pouco mais de 70 anos e no entanto já despontam no cená rio mundial. Um dos aspectos a considerar é que foram as universidades, juntamente com a igreja os principais nichos de resistê ncia aos regimes totalitá rios e ditatoriais que se instalaram nos paí ses sul americanos, principalmente nas dé cadas de 60 e 70. No Brasil foram os locais precursores das eleiç õ es diretas para dirigentes, a Federal de Santa Catarina foi a primeira (1983) a promover eleiç õ es.

Poré m o que precisa ser ressaltado é que nos paí ses perifé ricos, o desenvolvimento cientí fico e tecnoló gico, e portanto a possibilidade de inovaç ã o é dependente da universidade. No Brasil, cerca de 90% das pesquisas sã o em universidades e destas 95% em universidades pú blicas.

Historicamente fomos formados em outros paí ses e na maioria das vezes dependentes de linhas de pesquisas formuladas no exterior. Poré m nesta nova era do conhecimento temos enfim uma geraç ã o de pesquisadores formados com uma outra ló gica, a ló gica da cooperaç ã o internacional, horizontal, e uma ló gica mais voltada à s reais necessidades dos nossos paí ses.

Há uma mudanç a na polí tica educativa em curso, novas formas de financiamento, o fó rum das estatais e os novos fundos, o programa de bolsas, facilitando o ingresso de alunos com baixo poder aquisitivo, a expansã o das universidades pú blicas federais, a criaç ã o da Universidade Aberta do Brasil, propiciando com EAD a formaç ã o de professores, especialmente os das redes pú blicas, sã o algumas das iniciativas.

Outras ainda em fase de estudo e adoç ã o, buscam alterar a estrutura de ingresso na escola pú blica, ampliando atravé s de polí ticas afirmativas a parcela de negros, í ndios e pobres. També m em discussã o se encontra a alteraç ã o dos currí culos, sendo as proposta mais aceitas as que de certa forma aproximam ao Processo de Bologna, implantado em toda a Europa e que representará , nos pró ximos anos um enorme apressamento na formaç ã o.

Os desafios sã o mú ltiplos, poré m a esperanç a é ainda maior, pois os diversos modelos que vem sendo implantados, começ am a gerar resultados.

Se considerarmos o potencial que temos, em questõ es estraté gicas como energia renová vel, limpa, a riqueza do solo e do subsolo, a biodiversidade e sobretudo o mais importante, gente, uma mistura de raç as sem par no mundo, vivendo sem conflitos é tnicos, religiosos ou raciais, poderemos ser uma grande naç ã o.

Temos como grande obstá culo ao crescimento e ao desenvolvimento nossa pró pria desigualdade social, a forma de concentrar riqueza, e como entendemos que há uma ú nica forma de fazer crescer a cidadania e a participaç ã o, e que esta é a educaç ã o, penso que podemos finalmente estarmos no caminho certo.



* É reitor da UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina)

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