segunda-feira, 28 de setembro de 2009

Brasília: a capital da geopolítica !?

Brasília X Geopolítica

Helio de Araujo Evangelista

( www.feth.ggf.br )


Fonte: (http://www.feth.ggf.br/Geopol%C3%ADtica.htm)

Resumo:

O artigo aborda a geopolítica, tendo por objeto a sua relação com a geografia política a partir de textos de geógrafos brasileiros. Ao final, apresentamos nossa posição sobre o tema.

Abstract :

This article deals with the geopolitics. It has for objective to show the relationship between political geography and geopolitics by using text’s brazilian geographers. At the end, we explain our position about it.

· Apresentação

Ao retomarmos as argumentações favoráveis ou contrárias à transferência da capital brasileira para o interior do Brasil, encontradas em Vesentini ( 1996 ) e Vasconcelos ( 1978 ), chama-nos a atenção a polêmica que envolveu o geógrafo alemão, naturalizado americano, Sr. Leo Waibel, que então prestava seus serviços no Conselho Nacional de Geografia.

Desta polêmica, pelo artigo intitulado “ Determinismo Geográfico e Geopolítica ( contribuição ao problema da mudança da capital ) ”, [2] o Sr. Leo Waibel comenta o Relatório Técnico da Comissão de Estudo para a Localização da Nova Capital do Brasil, no qual é observado que o trabalho do engenheiro Cristóvão Leite de Castro, escrito sob a orientação de Leo Waibel, coloca “...a área do “Retângulo de Cruls” em 6º lugar por não ter querido se elevar até o plano geopolítico do problema, preferindo ficar no plano de puro determinismo geográfico ...” ( 1961, pp. 612-614 ).[3]

O primeiro aspecto que Leo Waibel esclarece é quanto ao determinismo, ele entende ser este um conceito introduzido por Ratzel pelo qual os elementos da geografia humana seriam determinados, principalmente, pelos fatores naturais. Waibel, enquanto discípulo de Alfred Hettner, considera que os fatores físicos não tem tamanha densidade para exlicar a dinâmica social. “A decisão cabe ao homem, ao seu estágio de desenvolvimento, ao poder da sua vontade ( que é forte ) e ao espírito. Esta é a filosofia geográfica que hoje em dia é geralmente aceita na França e na Alemanha...” ( Ibidem, p. 613 )

Sobre o trabalho desenvolvido pelo astrônomo Cruls, ele observa que os fatores físicos assumiram grande destaque na indicação da localização da futura capital, e :

“Os fatôres humanos mereceram ali muito pouca ou nenhuma consideração, e aí está, sem dúvida, o mérito da Segunda Expedição Geográfica, que aplicou os princípios da geografia humana ao problema da futura capital. Se há um determinismo geográfico em algum dos dois relatórios, êle está no da Comissão Cruls e não no nosso! nestas circunstâncias, a observação do senhor presidente de que “mesmo êsse ( o nosso ) relatório confirma e completa os dizeres essenciais do relatório da Comissão Cruls” é para mim completamente desprovida de sentido.” ( Ibidem, p.. 614 )

Quanto à acusação de que Leo Waibel não teria se elevado ao plano geopolítico do problema, este retrucou: “Mais uma vez êle errou ; o que eu não quero é rebaixar o meu padrão profissional ao nível de um geopolítico! Para os geógrafos alemães a palavra Geopolitik tem sabor amargo. A geopolítica é aquela pseudo-ciência que é largamente responsável pela catástrofe da Alemanha atual, ...” ( Ibidem, p. 614 )

E Waibel continua : “...O grande problema é : qual a diferença entre a Geopolitik de Rudolf Kjellén e a Politische Geographie de Friedrich Ratzel ? Esta pergunta nunca foi respondida satisfatóriamente.” ( Ibidem, pp. 614-615 ) [4]

Pelo exposto, há uma notória repulsa ao termo geopolítica, porém, nos dias atuais, costuma ser muito mais usado que geografia politíica. Por quê esta ambiguidade ?

É o que procuraremos tratar nas linhas que se seguem a partir de autores brasileiros que chegaram a abordar o tema de forma aprofundada.

· A geopolítica brasileira

Percebe-se na literatura nacional uma certa dicotomia entre uma escola militar, para a qual não poucos civis prestaram seus serviços, e uma escola acadêmico-civil, mais recente, que trazem modos distintos na análise da relação entre geopolítica e geografia política.

Pela primeira escola, destacamos as contribuições dos militares Mário Travassos ( 1938 ), Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), Meira Mattos ( 1979 ) e Octávio Tosta ( 1984 ).

Nesta corrente não incluimos Nelson Werneck Sodré que embora militar não veio a configurar com os autores mencionados um coletivo coeso.

Cabe ressaltar ainda que para a formalização desta corrente, dita militar, contribuiram civis, particularmente, Everardo Backheuser, Delgado de Carvalho e Therezinha de Castro ( esta falecida recentemente ao início do ano ). A rigor, a contribuição destes decorre de uma época na qual o diálogo entre civis e militares era mais fluente.

Assim, não é exclusivamente o paramento militar que configura este coletivo, mas assim o designamos por formar uma unidade que veio a ser mais estimulada pela Escola Superior de Guerra, criada em 1949.

O segundo grupo teria uma índole influenciada pela ambiência acadêmico-universitária, do qual destacaríamos : Wanderley Messias da Costa ( 1992 ), José William Vesentini ( 1996 ), André Martin ( 1993 ), Demétrio Magnoli ( 1988 ), Manoel Correia de Andrade ( 1989 ) e Bertha Koiffman Becker ( 1988 ) . [5]

Destaca-se, pela linha dos militares, que a geopolítica é a face dinâmica da própria geografia política, isto porque a geopolítica teria a incumbência de inspirar raciocínios que enveredariam em favor da formulação de estratégias de características militares . Assim, a geografia política teria um papel eminentemente informativo, ficando à geopolítica a incumbência de traçar diretrizes estratégicas para o exercício do poder.

Já na linha do pensamento civil, verifica-se uma diferença interna. Pois há os que entendem ser a a geopolítica como algo a ser proscrito enquanto uma versão ideológica ( de cunho facista ) que pouco contribuiu para o avanço da geografia. Por esta linha destacaríamos Wanderley Messias da Costa.

Por outro lado, há os que entendem ser a geopolítica um cabedal de conhecimento não passível de ser descartado pela comunidade acadêmica; particularmente, por este caminho, perfila Bertha Koiffman Becker.

· Geopolítica e a geografia política

Para o Gen. Meira Mattos ( 1979 ) a geografia política ficou no campo das ciências geográficas como a entendiam Whittlesey, Renner, Brunhes, Vallaux e tantos outros, enquanto que a geopolítica de Kjéllen e de Ratzel adquiriu o sentido dinâmico das ciências políticas, indicadora de soluções governamentais inspiradas na geografia.

Na escola raztzeliana, alinharam-se Kjéllen, Maul, Mackinder, Spykman e o Haushofer. Mahan, norte-americano, anterior a Ratzel, pode ser considerado o precursor da teoria geopolítica com a sua concepção de “destino manifesto”, que tanta influência teve nos rumos da política exterior dos Estados Unidos.

O despretígio da geopolítica como ciência vem de sua apropriação pelos adeptos do Gen. Karl Haushofer que, depois da ascensão de Hitler na Alemanha, apoderaram-se do Instituo de Munique e transfomaram a geopolítica em um pretexto científico para justificar as teses do expansionismo nazista. A teoria do lebensraum - espaço vital - que dominou o espírito geopolítico da Alemanha nazista, foi responsável pelo seu descrédito como ciência. ( Mattos, 1979, p. 4 )

Para o general Golbery do Couto e Silva ( 1981 ), por sua vez, a geopolítica de Kjellén, tanto quanto a de Haushofer, sempre se propôs a ser conselheira da política, sendo essencialmente uma arte, uma doutrina, uma teoria e nunca uma ciência. Para Kjellen, ela era apenas um dos cinco grandes ramos em que dividia a política; e, embora nas múltiplas definições da escola alemã se fale tanto em arte, como em doutrina e mesmo em ciência, a geopolítica é sempre caracterizada como “base da ação política”; o próprio Haushofer buscou ressaltar o seu caráter dinâmico. ( Silva, 1981, p. 29 )

A geopolítica é sobretudo uma arte - arte que se filia à política e, em particular, à estratégia ou política de segurança nacional, buscando orientá-las à luz da geografia dos espaços politicamente organizados e diferenciados pelo homem. Seus fundamentos se radicam, pois, na geografia política, mas seus propósitos se projetam dinamicamente para o futuro. ( Silva, 1981, p. 33 )

A geopolítica nada mais é que a fundamentação geográfica de linhas de ação política, quando não uma proposição de diretrizes políticas formuladas à luz dos fatores geográficos, em particular de uma análise calcada, sobretudo, nos conceitos básicos de espaço e de posição. Um dos ramos, portanto, da política, como a imaginara o próprio Kjellén e sempre a qualificou, entre nós, o mestre Backheuser: “política feita em decorrência das condições geográficas”. ( Silva, 1981, p. 64 )

Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) , por sua vez, observa:

... Descartadas as confusões e dissimulações em torno do rótulo, pode-se afirmar com relativa segurança que a geopolítica, tal como foi exposta pelos principais teóricos, é antes de tudo um subproduto e um reducionismo técnico e pragmático da geografia política, na medida em quem se apropria de parte de seus postulados gerais, para aplicá-los na análise de situações concretas interessando ao jogo de forças estatais projetado no espaço.

Nesse sentido, a exemplo do que ocorre com parte da ciência econômica em relação à economia política clássica, a geopolítica representa um inquestionável empobrecimento teórico em relação à análise geográfico-política de Ratzel, Vallaux, Bowman, Gottmann, Hartshorne, Whittlesey, Weigert, e tantos outros. Essa é a questão essencial, desde logo, que deve sobrepor-se às demais, a começar dos artifícios notoriamente simplórios como o de tentar situá-la como “ciência de contato” entre a geografia política e a ciência política, a ciência jurídica, etc., bastante comum nas introduções de inúmeros generais-geógrafos-geopolíticos, a começar por Haushofer.

Por outro lado, o assunto também está sujeito a todo tipo de confusão terminológica, já que análises e estudos ditos geopolíticos podem freqüentemente tratar-se de estudos geográficos-políticos, preferindo os autores a utilização da primeira expressão por simples comodismo vocabular ou modismos. Finalmente, e após um processo de “filtragem” por que passou no período do pós-Segunda Guerra, especialmente em suas conotações ideológicas vinculadas ao nazismo, muitos autores, até mesmo os críticos da velha geopolítica, passaram a adotar esse rótulo em seus estudos de geografia política. ( 1992, p. 55-56 )

Bertha K. Becker ( 1988 ) , por sua vez, observa que a busca de novos paradigmas da ciência e o rompimento das barreiras entre as disciplinas - a transdisciplinaridade - parecem hoje tornar-se uma exigência. E o rompimento da barreira entre a geografia e a geopolítica numa perspectiva crítica, integrando a natureza holística e estratégica do espaço, pode representar um passo importante nesse caminho, pois que o poder e o espaço e suas relações são, sem dúvida, problemáticas contemporâneas significativas.

Neste ponto, há uma distinção clara entre Becker e Costa. Este último destaca o caráter ideológico que a geopolítica tem; para Becker, no entanto, a geopolítica tem um caráter instrumental que não pode ser desprezado, embora isto não a leve olvidar da ideologia que permeia a geopolítica, como podemos perceber pela passagem abaixo.

“Mas a herança de Ratzel, embora por alguns exacerbada, foi, em geral, negada pelos geógrafos que, ao recusarem sua concepção determinista, negaram também toda a sua riqueza teórica. Sua herança foi por outro apropriada.

Permaneceu, assim, a Geografia, à margem de todo um conjunto de técnicas e de um saber que instrumentalizam e pensam o espaço a partir da ótica do Estado ( e também da grande empresa ) - embora com ele colaborando direta ou indiretamente - o que certamente a esvaziou de seu conteúdo.

Negar, portanto, a prática estratégica, seja a das origens da disciplina, seja a teorizada por Ratzel, seja a da Geopolítica explícita do Estado Maior ou a implícita na prática dos geógrafos, é negar a própria Geografia, que foi, assim, prejudicada no seu desenvolvimento teórico e na sua função social. E repensar a Geografia envolve necessariamente o desvendar da Geopolítica, sua avaliação crítica e seu resgate, e o trazer desse conhecimento para debate na sociedade. Em outras palavras, nesse campo de preocupações, à Geografia caberia a teorização sobre a prática estratégica desenvolvida pela Geopolítica.

...

A Geopolítica que queremos resgatar é a do reconhecimento, sem fetichização, da potencialidade política e social do espaço, ou seja, a do saber sobre as relações entre espaço e poder. Poder multidimensional, derivado de múltiplas fontes, inerente a todos os atores, relação social presente em todos os níveis espaicias. Espaço, dimensão material, constituinte das relações sociais e, por isso mesmo, sendo, em si, um poder.

A tentativa desse resgate é aqui apresentada em questões que constituem a nossa prática atual de pesquisa, sem a menor pretensão de esgotá-las..( 1988,.p. 100 )

A dúvida, no entanto, que se abre da leitura do texto de Becker é se ela não confunde o resgate da dimensão política do espaço com o resgate da própria geopolítica. Não podem ser considerados procedimentos distintos ? Mas, por outro lado, é possível retomarmos uma análise do conteúdo político do espaço sem termos em conta o legado da geopolítica ?

Ela propõe resgatar a geopolítica :

“Resgatar não significa negar e sim reler criticamente, aceitando o que se considerar uma contribuição e descartando o que se considerar inaceitável. A postura metodológica aqui adotada para tal releitura é a que privilegia a construção do objeto de estudo e não o objeto em si. A Geopolítica não está dada - ela é construída hoje, no atual período histórico, pelo trabalho humanao tanto material quanto intelectual e, assim produzida, tem movimento e abertura para o indeterminado, que é essencialmente político. Trata-se, portanto, de reconstruir o processo de sua produção material e intelectual no final do Século XX, detectando as forças que nele atuam.

....

É, portanto, no contexto da instrumentalização do espaço - e do tempo - bem como do reconhecimento de sua potencialidade que se pode resgatar a dimensão política da Geografia contida no seu projeto original e posteriormente renegada.” ( Ibidem, p. 101 )

Nesta passagem, Becker destaca o objeto em construção, estando a indicar que se a geopolítica foi o quê muitos condenam, poderá vir a ter outro perfil. Poderá mesmo ? Qual a raiz da geopolítica ? Acaso não é o raciocínio pautado em dados geográficos voltado para a luta ?

A cerne da geografia política/geopolítica para Becker encontra-se em duas contribuições de Ratzel, a saber:

1 - A Geografia Política como base de uma tecnologia espacial do poder do Estado. A Geografia Política deveria ser um instrumento para os dirigentes que, em contrapartida, aprenderiam a instrumentalizá-la. Ela explica que, para compreender a natureza de um império, é necessário passar pela escola do espaço, isto é, de como tomar o terreno ( Korinman, 1987 ). Daí a importância atribuída à Geoestratégia e à concepção da situação geográfica como um dispositivo militar para o geógrafo que analisa o comércio e as relações em geral, a economia, sempre configurada espacialmente, é a guerra; os fatos do espaço são sempre singulares, cada qual situado na interseção de processos diversos, onde precisamente devem atuar as estratégicas.

2 - A busca de leis gerais sobre a relação Estado-espaço. A busca de leis gerais reside na ligação estreita do Estado com o solo, considerado a única base material da unidade do Estado uma vez que sua população, via de regra, apresenta-se diversificada. Assim, politicamente, a importância absoluta ou relativa do Estado é estabelecida segundo o valor dos espaços povoados.

Como uma forma de vida ligada a uma fração determinada da superfície da terra, o Estado tem como propriedades mais importante o tamanho do seu espaço ( raum ), a sua situação ou posição ( lage ) em relação ao exterior - conceitos - chave da Geografia - e as fronteiras.

Se o desenvolvimento do Estado é um fato do espaço, Ratzel admite que seu laço com o solo não é o mesmo em todos os estágios da evolução histórica; em sete leis do crescimento do Estado, estabelece que o crescimento deste depende de condições econômicas e da incorporação de novos espaços, e é tarefa do Estado assegurar a proteção de seus espaços através da política territorial.

A concepção organicista de Ratzel não se restringe a comparar o Estado a um ser vivo. Ela reside na naturalização do Estado, entendido como única realidade representativa do político, única fonte de poder. Todas as categorias de análise procedem de um só conceito; Estado e nação se confundem em um só ator, o Estado indiviso, como algo natural, preestabelecido, não se concebendo conflitos a não ser entre Estados.

Isso não elimina sua contribuição básica sobre a tecnologia espacial do poder e sobre a relação Estado-espaço naquele período histórico. Um segundo momento crucial da relação Estado-espaço se configura no segundo pós-guerra, não previsto por Ratzel. ( Ibidem, p. 103 )

Pelo exposto, Becker destaca a postura de quem produz o estudo geográfico, que deve ser passível, ou não, de recriminações. Deste modo, não se deve imputar a um rótulo, no caso geopolítica, a encarnação de algo inválido.

Assim, Becker elogia em Ratzel o fato deste ter colocado o Estado dentro das preocupações geográficas. O que cabe, então, é manter este caráter renovador de seu pensamento, ao vislumbrar novos horizontes para a geografia política.

Para Becker, a nova geopolítica, na verdade, resultará da interação entre dois processos, a reeestruturação tecnológica e os novos movimentos sociais. No entanto, ela ensina que esses movimentos e os atores políticos só poderão reverter as tendências atuais se forem capazes de se situar no novo domínio histórico resultante da revolução tecnológica e da reorganização do capitalismo.

Wanderley Messias da Costa ( 1992 ) sobre a proposta de Becker, observa que ela é inovadora :

“...sob todos os aspectos, e põe em debate no país questões fundamentais que transcendem o âmbito da geografia. Independente do rótulo pouco apropriado ( por que não resgatar a Geografia Política, que afinal sempre gerou as “geopolíticas” ? ), o seu trabalho ( e de seu grupo ) é realmente notável, especialmente porque introduz essa reflexão incorporando o que há de mais avançado no setor ( assunto com o qual nos ocuparemos adiante ). Com ele, também, Bertha Becker não resgata esse campo de reflexões apenas para a Geografia, mas, ao lados de alguns poucos estudiosos desses temas nas ciências sociais, recupera-o para o ambiente acadêmico. A considerar-se a nossa peculiar história política, isto equivale, no Brasil, a um legítimo resgate civil. ( 1992, p. 228 )

Ao refletirmos sobre a consideração acima, parece-nos que Becker deseja resgatar algo que o primeiro deseja preterir, ou seja, Becker intenciona encontrar na geopolítica instrumentos para melhor resgatar o teor político da geografia. Já Costa, ao entender que a geopolítica só se apresenta como um engodo ideológico, cabe então descartamos de nosso intinerário uma preocupação com a mesma !

Na nossa interpretação, a origem histórica dos dois termos, geopolítica e geografia política, está pautada pela situação de que esta última está mais identificada com a formação de diagnósticos, enquanto a primeira com a proposição de medidas que digam respeito à ação do estado. No entanto, esta diferenciação, no curso dos estudos não se mostra tão decisiva para se compreender a diferença entre os dois campos. A rigor, nesta discussão, o que está em pauta é a questão da legitimidade entre a geopolítica e a geografia política.

Se não encaramos os dois rótulos como sinônimos, estes campos estão a disputar temas de estudos próximos. E sendo o caso, ao longo do tempo, um ou outro estará sobressaindo ...

  • Conclusão

Entendemos, que a geopolítica, tal como se apresenta hoje, e pelo que foi no passado, parece estar mais apta à realçar o conteúdo político da geografia. A geopolítica apresenta uma maior densidade política em função, de um lado, por estar marcada por uma maior interdisciplinaridade ( envolvendo diretamente a ciência política, assim como a ciência social ) , mas, sobretudo, por estar voltada para a luta/guerra, algo comum na história humana.

Entendemos, também, que o caráter intrincado do poder na geografia solicita uma melhor compreensão quando temos a perspectiva de que uma guerra está sendo travada ( mesmo quando o conflito é incruento, como numa luta comercial ). Esta familiaridade com a guerra, podemos verificar mais claramente na geopolítica !

Pode-se argumentar que na geopolítica encontra-se uma dimensão ideológica, sustentadora, por exemplo, da ação do Estado. No entanto, esta dimensão ideológica adquire corpo quando se trava uma luta. Se a pessoa opta em aceitar ou combater este viés, isto decorrerá de sua inserção na sociedade. Inclusive, poderíamos pensar em sentido semelhante em relação à geografia política, à qual não se atribui uma função ideológica ... ora, este caráter não ideológico da geografia política parece ser a sua própria ideologia ...

Deste modo, o campo de estudo da geopolítica é, necessariamente, um campo que envolve todos os artifícios para se controlar as diferentes partes do planeta, inclusive fazendo uso da ideologia. Deste modo, quem se dedica à geopolítica cabe percorrer as linhas de pensamento à luz dos dilemas que envolviam aqueles que as elaboraram; o que, aliás, é algo próprio de quem se debruça sobre as ciências humanas como um todo, pois estas estão marcadas pelas circunstâncias históricas, ideológicas, etc.

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